quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

davi e cecília - Verão.

Cecília atendeu. Davi ficou fazendo aquilo de repetir o que ela perguntava ao telefone. “Davi, sei que é tu. Onde tu tá, guri?” Na Crystal. Era claro que ele estaria na Crystal. Cecília disse que o encontraria em meia hora. Fazia tempo que Cecília não aparecia por lá, mas o português, dono do boteco, reconheceu-a. Davi estava sentado nas mesas do fundo, nas mesas de ferro que Cecília gostava. Cecília sentiu que Davi ficou surpreso com o próprio encanto demonstrado ao vê-la. Abraço curto. Cecília se esqueceu de marcar no relógio a hora em que se viram. Pediram cerveja. Davi havia chegado à cidade havia duas horas. Ele cumpriu a promessa de que ela seria a primeira pessoa a ser procurada. Cecília contou de um encontro inesperado que tivera com Luciano no aeroporto (não lembrava mais se em Congonhas ou Guarulhos) há um ano: “Luciano quebrou todo o clima hollywoodiano dizendo que eu estava gorda”. Davi reclamou de Luciano e de sua gentileza francesa, e completou, tipicamente: “Tu tá tri gata, Cecília”. Ela achou Davi igual, mais barbudo, mas impressionantemente igual. Saíram da Crystal antes do português avisar que iria fechar. Desceram a pé pela Coronel Niederauer e reclamaram da pastelaria. Nostalgia ao passarem pelo Bar do Garça e concordância de que não tinham mais idade para beber na frente da Parada como antigamente. Nada contra os jovens, apenas haviam perdido a paciência de embriagarem-se com cerveja quente servida em copos plásticos, e sentados no meio fio com as baratas costumeiras da cidade. Entraram no pub; eram burgueses agora. Ninguém esperava que Davi estivesse na cidade. E ninguém esperava que Cecília chegasse com Davi. Mas ninguém comentou nada. Cecília já estava sentindo ciúmes por Davi conversar com os velhos amigos e deixá-la de lado. Não lembram porque, mas uma hora Davi olhou-a, daquele jeito que ela nunca sabia se era debochado ou não, e disse: “Tu é só papo, Cecília. Quer casar comigo agora?”. Cecília odiou ter respondido exatamente como há quase oito anos atrás: “É claro que não”. Ela ficou tonta com o déjà vu. Davi pediu para ir embora com Cecília. A moça queria ainda passar em outro bar; Davi disse que eles não precisavam disso. Cecília precisava. Foram. O lugar estava quente e úmido. Um estranho fotografou o rosto de Cecília enquanto ela comprava uma cerveja. “Retratos metidos a alternativos de pessoas rotuladas como indies”, sentenciou ela em pensamento. Voltou à mesa e disse baixinho a Davi: “Meu ex-marido está aqui”. Davi levou-a embora. A noite estava quente como há muito Cecília não sentia, ao menos não no sul. No quarto não havia ventilador. Deitaram juntos no colchão inflável, irritantemente barulhento. Davi disse coisas incompletas, como sempre o fizera: “Quando eu te vi entrando, Cecília... Tu sabe que é difícil encontrar uma guria como tu... Eu não sei por que eu fiquei sempre tão na defensiva...”. Cecília passou a mão no rosto de Davi e falou: “Mas agora estamos aqui”. Cecília achou-se velha pelo que disse. Por que ela tinha que estar sempre tentando parecer tão madura? Não falaram mais nada durante a noite. Beijaram-se muito. Cecília achou o beijo confortavelmente familiar. Ela sempre gostara do beijo de Davi por achá-lo ingênuo. Ele lhe fez gozar chupando-a calmamente. Davi não gozou. Adormeceram bêbados e grudentos de suor. Cecília acordou logo. O calor deixava-a mole, os mosquitos picavam e Davi roncava um ronco de embriagados. Cecília achou patético ele dormindo assim, sem nem ter tirado a camisinha. Ela tentou acordar Davi por três vezes para dizer-lhe que iria embora. Cecília lembrou que nas poucas vezes as quais dormira na casa de Davi, quando ambos ainda moravam naquela cidade entre os morros, ele sempre reclamara por ela nunca ficar com ele até o meio-dia. Cecília foi embora assim mesmo. Quando saiu do elevador, riu da barata morta no piso. Riu também por se achar agora muito nova, parecendo uma adolescente. Amanhecia abafado. Davi ligou no final da tarde perguntando se estava tudo bem: “É que eu acordei com uma queimadura no dedo do pé. Queria saber se aconteceu alguma coisa bizarra contigo também?”. Não aconteceu, embora Davi fizesse tudo parecer sempre muito surreal. Não se falaram na sexta-feira. Davi ligou no sábado: “Me chama pra fazer qualquer coisa, Cecília, tomar um suco de laranja que seja”. Ela tinha um compromisso. Encontrou Davi bem tarde no bar quente e úmido. Beberam separados; dançaram Cansei de Ser Sexy juntos. Davi levou-a embora. Imitou um tom rodriguiano, passou o braço por cima do ombro dela e disse: “Faz de conta que tu é minha mulher esta noite, Cecília”. Riram. Cecília gostava de como Davi sempre falava o nome dela no final das frases. Atravessaram o Calçadão enquanto ele reclamava que ninguém entendia os sinais e citava Roland Barthes. Riram. Sempre se divertiram juntos. Davi providenciou um ventilador. Ele disse que tinha a noite inteira para fazê-la gozar. Precisou de bem menos tempo do que isso. Davi lembrou que eles haviam transado pouquíssimas vezes um com o outro. Cecília completou: “Pouquíssimas vezes e bêbados”. Ela achou triste quando Davi disse: “Nós passamos esses quase oito anos jogando um com o outro”. Ele falou muitas vezes em como eram jovens quando se conheceram. Cecília chupou Davi e pensou em como sempre achara o pau dele enorme. Ela nunca dissera isso a Davi. Deveria ter dito, e não disse mais uma vez. Dificuldades em colocar a camisinha. Riram. As bobices de sempre. Transa maluca. Dormiram abraçados. Davi quis transar pela manhã; Cecília estava preguiçosa. Ele conseguiu despertá-la. Cecília sentiu um carinho enorme por Davi enquanto se comiam; achou que até o amasse. Quem sabe um dia. Davi iria embora naquela noite, mas não estava melodramático como havia sido durante esses quase oito anos, até inclusive a noite anterior. Davi buscou coca-cola com gelo para Cecília. Ela não quis que ele a acompanhasse até a saída do prédio. Abraçaram-se forte. Ele disse: “Te cuida, Cecília”. Ela abanou quando a porta do elevador abriu. Pensou que os encontros dos dois seriam sempre assim. Achou bom. Ainda estava no elevador quando ouviu o sino da catedral começar a badalar o meio-dia. Cecília sorriu. Davi sorriu. Estava quase tudo igual por ali.

2 comentários:

  1. O charme de Cecília é se mostrar adolescente em elegantes palavras, que nunca serão adolescentes... nosso tema é bem universal, né? nós mesmos!

    beijos.

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  2. "Nós passamos esses quase oito anos jogando um com o outro"

    Isso sempre acontece. Somos meio burros.

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