terça-feira, 27 de abril de 2010

hidrocor (ou não-escrevendo-sobre).

- Gosto de quando o cabelo fica úmido assim.
Ela entregue, ele sensato. Mas a segurava forte, mesmo, com um forte carinho. Bem, ela sentia-se bem. Dias sinceros. “Quando você não tá aqui”... Ela queria cantar, porém achou muito. Por que ela tinha que se apegar tanto? Por que ela tinha que se entregar tanto? E tanta chuva quando ele não estava mais perto. “É... você não tá aqui”.
- Pára! Não somos personagens teus, Bethânia. Fomos um pedacinho minúsculo de viver junto, só isso!
Silêncio da autora (a Bethânia, no caso)...
[Nada como um cobertor cor-de-rosa quentinho para acolher uma saudade-lembrança].
- E fim.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

neon.

Costurando uma vida aqui
como quem costura botões novos em um casaco gasto.
Tentando levantar da cama,
sair dessa posição de doença grave;
que seja crônica até, mas não grave!
É sexy ouvi-la lendo em espanhol:
- Desplazamiento ontológico
...e continua, sem levantar os olhos do papel.
Sonhei que alguém me procurava em uma festa
e eu dançava entre piscadelas de luzes coloridas.
Ela nunca lembrava bem de quando chegava em casa,
era sempre um mistério tomado pelo cheiro de álcool e tabaco.
Nunca mais fiquei na rua até o amanhecer,
até porque o dia, aqui, demora a amanhecer.
As madrugadas chovem dentro de mim
e eu transbordo medo do escuro.
Amar coisas sem nome não é uma escolha...
- Desliga o letreiro em neon, por favor,
ela pede, cansada de dançar.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

cigarra.

Cecília despertou com a garganta a doer muito,
conseguiu fazer pouco além de desenhar quadrados e afins.
Havia sonhado que lhe faziam confissões...
Sentiu falta do sudeste e das lições por dias mais frescos;
passear de barco com o sol esquentando o rosto.
Aqui o frio começa a fazer ouvir seu uivo
e Cecília não sabe se está pronta,
provavelmente os mantimentos estocados não serão o suficiente.
Cecília, cigarra triste e silenciosa.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

da subida.



Ele disse: “A piece of me is yours”. Ela já sabia, já sentia, mas era sempre bom ouvir. Saiu de casa, escutando nos fones as canções de quando eram apenas eles. Agora, tinha um ar de petúnia em tudo o que ela fazia, em tudo o que via. A escada se alongava, deixando verem suas calcinhas por baixo dos degraus vazados. Ela não se importava, e subia, mesmo tonta. Quanto tempo se passara desde o primeiro levantar de perna? Não lembrava se começara a subir com o pé esquerdo ou com o direito. Fazia diferença? Ao menos ela carregava araçás no bolso do vestido, caso a fome a assaltasse e ela já estivesse muito longe para o retorno. E sempre havia a possibilidade de descer escorregando pelo corrimão, embora isso provavelmente a tonteasse ainda mais. Por fim, podia se jogar, quem sabe ela pudesse voar, ou flutuar, nunca se tem certeza da própria anatomia; lembra daquele moço que tinha o coração do lado direito? Então, essas coisas acontecem... Ela, sempre tão medrosa para as alturas, ia e ia e ia, cada vez mais para lá de onde se sabe o que encontrar. A porta da qual haviam roubado a maçaneta ficara para trás fazia tempo, nem era mais possível escutar o seu rangido. Subir, num bolso os araçás, no outro, a piece of him, e na boca, um cantarolar de quem sabe sempre ir.

terça-feira, 6 de abril de 2010

convidando Rosa.

Rosa queria lembrar-se de como era quando sabia ser bonita. “Eu usava vestido? Sim, acho que sim”. Lembrou que bagunçava o cabelo e sempre passava lápis nos olhos. Quando sabia ser bonita, Rosa era bastante bonita, caminhava à lá Natalie Portman e fazia de conta saber sobre quase tudo. Rosa sempre soube muita coisa, era deveras inteligente, mas quando não sabia, ela inventava, com ar de convicção. Rosa era engraçada e dizia coisas que faziam muito sentido. Ela embrulhava sonhos para presentear quem a tratasse com boniteza. Hoje, Rosa está triste, acha que não sabe mais encantar. Mas eu vou chamá-la para sair:
- Rosa, te arruma, vamos fotografar o outono!
Depois vou propor cinema, e juro que conseguirei arrancar-lhe ao menos um sorriso.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Agora vou embora.
Será que etnógrafos nunca mais têm uma casa?
Será que não se sentem em casa nunca?
Parece que refresca sempre depois que eu parto.
Uma vida em busca de ventos frescos.
Eu soprei em vão, não soube ser vento.
Uma vez trombei com a tempestade e nós nos deixamos.
Eu sou muitomuitomuito triste e não sei o motivo.
Tenho muitas motivações para a vida,
mas elas me escapam como quando eu corria atrás dos vaga-lumes.
Minha mãe diz que eu era uma guriazinha bastante feliz.
Cadê essa pequena?