um dia triste, de um triste de fazer dó em quem a olhava olhando pela janela.
um dia triste como Mário Quintana velhinho descendo uma ladeira no mês de agosto.
uma tristeza que se podia sentir no jeito leve com que ela roçava uma mão na outra.
ela estava assim, o corpo mole, a vida mole, os olhos quase fechando.
lembrou que sua mãe dizia:
"teus olhos são tristes como os dá bisavó Santa; olhos de bugre".
ficou mais triste ainda.
a primeira lembrança de sua vida era a bisavó Santa lavando roupa
no tanque de pedra.
lembrar daquela sua pequenice vendo viver uma bisavó Santa,
em uma casa laranja da periferia de Porto Alegre nunca lhe pareceu tão cinza.
a bisavó Santa era benzedeira e parteira.
tudo que ela queria naquele instante parado era ser benzida,
ser parida, por qualquer santa.
num dia como aquele nem queimar o pulso quadriculando-se faria ela sentir-se viva.
nada, nem raiva, nem dor, nem um gozo morno e branco nos seus seios mornos e brancos, nada.
a tristeza que ela sentia não tinha mais tamanho, não cabia mais no seu corpo pequeno e
cada vez mais pequeno e mais pequeno e mais pequeno.
nada mais cabia na sua vida pequena e sem-graça que ela nunca quis viver.
estar viva e não se sentir viva era pior do que estar morta.
e ela ficou na janela,
sua tristeza sendo coberta pelo pó de minério que caía brilhando no ar.
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