Cecília acorda [ainda está cansada]. Ela pensa em um cigarro, mas toma chá de hortelã. Veste-se mais rápido que de costume. O telefone toca. Dois toques. Ela sabe quem é; não retorna a ligação. Imagina que seria bom ser trapezista. Concentrar-se somente em não cair. Ela está ruindo. Cada parte de seu corpo branco desfazendo como gesso. “Como eu dormi”, ela fala espantada. A dor de cabeça confirma que o tempo passou às pressas por seu sono [ainda está cansada]. Cecília acende o cigarro. Tenta soltar fumaça redondinha. Não consegue. “Que saco”. Não lembra o que sonhou. Talvez ela tenha gritado e acordado com a voz saindo rouca. Ou isso foi na outra noite. Pega a mochila: agenda, cigarros, livro de poesia, caneta, bloco rosa pink e ansiolíticos. Esqueceu as fichas do ônibus. Volta. Rói as unhas e sai. Na rua, pensa que deveria ter comido algo, vai ficar tonta logo.
quinta-feira, 22 de março de 2007
segunda-feira, 19 de março de 2007
tarô.
- tarô. tu acredita em tarô?
ela pensa "en las brujas yo no creo, pero que las hay, las hay",
mas responde:
- não, claro que não.
- o tarô disse que ele dissimula, que ele está tentando te manipular.
"jogos, sempre os mesmo jogos", ela lembra daqueles passos repetidos até a porta, do adeus mentido, do "eu não te amo mais" dito de qualquer jeito. da espera na esquina por um resgate. ela lembra do resgate que não veio.
"será que veio logo que eu virei a rua?"
quem sabe? ela não quer mais saber, tem um novo encanto.
- tu deve tomar cuidado com ele, viu. ele não vai se abrir, não consegue.
"mas abrir minhas pernas ele consegue, e bem rápido", e solta um riso pequeno.
- do que tu tá rindo?
- nada, nada não. e eu não acredito nisso, já disse.
- aqui está mostrando que uma ruptura se aproxima.
"tenho que parar de roer as unhas, quero deixar marcas", se dá conta do que ouviu:
- o que?
- ruptura, uma ruptura.
- por que?
- ah, não sei, isso as cartas não dizem.
"por que ruptura, que porra é essa de ruptura? e a nossa viagem para o sul?"
- que mais que diz aí nessas tuas malditas cartas?
- ah, tu não acredita, né!
- diz logo!
- não sei direito. acho que tu vai passar por um período de amadurecimento,
vai ser importante.
"quem se importa com amadurecimento. quero é o pau dele endurecendo enquanto encosta da minha bunda. quero a nossa vida juntos. quero as cores escolhidas pras paredes da nossa casa".
- tu tá bem?
- tô. e não quero mais saber desse negócio aí. que besteira.
passa discretamente o dedo para conter a lágrima que já desce, enquanto pensa, sem querer pensar:
"las hay..."
ela pensa "en las brujas yo no creo, pero que las hay, las hay",
mas responde:
- não, claro que não.
- o tarô disse que ele dissimula, que ele está tentando te manipular.
"jogos, sempre os mesmo jogos", ela lembra daqueles passos repetidos até a porta, do adeus mentido, do "eu não te amo mais" dito de qualquer jeito. da espera na esquina por um resgate. ela lembra do resgate que não veio.
"será que veio logo que eu virei a rua?"
quem sabe? ela não quer mais saber, tem um novo encanto.
- tu deve tomar cuidado com ele, viu. ele não vai se abrir, não consegue.
"mas abrir minhas pernas ele consegue, e bem rápido", e solta um riso pequeno.
- do que tu tá rindo?
- nada, nada não. e eu não acredito nisso, já disse.
- aqui está mostrando que uma ruptura se aproxima.
"tenho que parar de roer as unhas, quero deixar marcas", se dá conta do que ouviu:
- o que?
- ruptura, uma ruptura.
- por que?
- ah, não sei, isso as cartas não dizem.
"por que ruptura, que porra é essa de ruptura? e a nossa viagem para o sul?"
- que mais que diz aí nessas tuas malditas cartas?
- ah, tu não acredita, né!
- diz logo!
- não sei direito. acho que tu vai passar por um período de amadurecimento,
vai ser importante.
"quem se importa com amadurecimento. quero é o pau dele endurecendo enquanto encosta da minha bunda. quero a nossa vida juntos. quero as cores escolhidas pras paredes da nossa casa".
- tu tá bem?
- tô. e não quero mais saber desse negócio aí. que besteira.
passa discretamente o dedo para conter a lágrima que já desce, enquanto pensa, sem querer pensar:
"las hay..."
quinta-feira, 15 de março de 2007
vício/papel/Odorico
Posso estar viciada em ti?
Apaixonada? Não.
Não faria sentido...
Vício, eu costumo ter muitos.
Paixões, só as de sempre.
É certo, estou viciada em ti.
Em ti e em escrever-te em papéis brancos.
Poderia riscar-te em minha pele;
é branca tal qual papel.
Mas lembra o quanto arde quando nos cortamos
com a borda fina do papel?
Apaixonada? Não.
Não faria sentido...
Vício, eu costumo ter muitos.
Paixões, só as de sempre.
É certo, estou viciada em ti.
Em ti e em escrever-te em papéis brancos.
Poderia riscar-te em minha pele;
é branca tal qual papel.
Mas lembra o quanto arde quando nos cortamos
com a borda fina do papel?
segunda-feira, 12 de março de 2007
um dia triste, de um triste de fazer dó em quem a olhava olhando pela janela.
um dia triste como Mário Quintana velhinho descendo uma ladeira no mês de agosto.
uma tristeza que se podia sentir no jeito leve com que ela roçava uma mão na outra.
ela estava assim, o corpo mole, a vida mole, os olhos quase fechando.
lembrou que sua mãe dizia:
"teus olhos são tristes como os dá bisavó Santa; olhos de bugre".
ficou mais triste ainda.
a primeira lembrança de sua vida era a bisavó Santa lavando roupa
no tanque de pedra.
lembrar daquela sua pequenice vendo viver uma bisavó Santa,
em uma casa laranja da periferia de Porto Alegre nunca lhe pareceu tão cinza.
a bisavó Santa era benzedeira e parteira.
tudo que ela queria naquele instante parado era ser benzida,
ser parida, por qualquer santa.
num dia como aquele nem queimar o pulso quadriculando-se faria ela sentir-se viva.
nada, nem raiva, nem dor, nem um gozo morno e branco nos seus seios mornos e brancos, nada.
a tristeza que ela sentia não tinha mais tamanho, não cabia mais no seu corpo pequeno e
cada vez mais pequeno e mais pequeno e mais pequeno.
nada mais cabia na sua vida pequena e sem-graça que ela nunca quis viver.
estar viva e não se sentir viva era pior do que estar morta.
e ela ficou na janela,
sua tristeza sendo coberta pelo pó de minério que caía brilhando no ar.
um dia triste como Mário Quintana velhinho descendo uma ladeira no mês de agosto.
uma tristeza que se podia sentir no jeito leve com que ela roçava uma mão na outra.
ela estava assim, o corpo mole, a vida mole, os olhos quase fechando.
lembrou que sua mãe dizia:
"teus olhos são tristes como os dá bisavó Santa; olhos de bugre".
ficou mais triste ainda.
a primeira lembrança de sua vida era a bisavó Santa lavando roupa
no tanque de pedra.
lembrar daquela sua pequenice vendo viver uma bisavó Santa,
em uma casa laranja da periferia de Porto Alegre nunca lhe pareceu tão cinza.
a bisavó Santa era benzedeira e parteira.
tudo que ela queria naquele instante parado era ser benzida,
ser parida, por qualquer santa.
num dia como aquele nem queimar o pulso quadriculando-se faria ela sentir-se viva.
nada, nem raiva, nem dor, nem um gozo morno e branco nos seus seios mornos e brancos, nada.
a tristeza que ela sentia não tinha mais tamanho, não cabia mais no seu corpo pequeno e
cada vez mais pequeno e mais pequeno e mais pequeno.
nada mais cabia na sua vida pequena e sem-graça que ela nunca quis viver.
estar viva e não se sentir viva era pior do que estar morta.
e ela ficou na janela,
sua tristeza sendo coberta pelo pó de minério que caía brilhando no ar.
domingo, 11 de março de 2007
amargo-querido.
A vida como uma saída de clown. Bufão? Tu acha? Escuto Villa Lobos. O vinil que Cris me deu. Sinto dor de dente. Estou engraçada hoje. Brava e engraçada ao mesmo tempo. Diovanna anda com Carolina pela casa. Minhas pequenas. Queria um sofá xadrez, em cores berrantes. Que tu me comesse em um sofá xadrez. Eu berrando entre cores berrantes. Gosto da máquina de escrever. É mais séria que o computador. Gosto de roer as unhas enquanto penso em ti. O que eu vou fazer contigo? Tu vai me dar trabalho, eu sei. E ainda por cima, não vai me comer. Talvez isso me encante. Como ele não quer transar comigo? Nem entre cores berrantes! Quero que tu me salve. Ninguém nunca me salvou. Estou vestindo bata hoje, acredita? Gosto daquelas buzinas de algodão-doce. Era amarelo o algodão-doce o qual disputamos, né? Naquela hora eu já soube que um dia tu ia me dar trabalho. E eu nunca fui uma rapariga trabalhadeira. Agora tenho que ser. Preciso te sustentar. E nem tenho nariz grande.
quarta-feira, 7 de março de 2007
baby.
Cecília decide casar. Cecília vai casar com o menino mais bonito da festa. O que anda engraçado e tem os olhos invertidos. A moça morde o menino, forte e mais forte. Nunca fica roxo. Cecília não consegue deixar marcas. Mera mocinha básica. Cecília aprendeu a ser doce, educada e a falar baixo. Ela quer gritar, cuspir na rua e queimar a língua de quem lambê-la. Cecília-pimenta (do reino?). Castelo de cartas. Quer morar em um castelo de cartas. Cecília quer ser princesa nua e ter um filho chamado Sebastian.
domingo, 4 de março de 2007
quadriculada.
Odeio ter sido quadriculada. Não quero Arnaldo Baptista saltando de janelas. Boca seca da ressaca. Saudade de réguas e estojos divertidos. Nem tenho mais estojo. Até isso a vida de gente grande nos tira: os estojos. Palavra feia. Vontade de tomar um café bem forte com Foucault. Não gosto dessa biblioteca. Não parece biblioteca, é barulhenta e clara. Começou a chover. Não trouxe minha sombrinha azul com bolinhas brancas. Loser tomar chuva de ressaca. Loser ter um bandaid no pulso. O cheiro do detergente do balde da moça que limpa a biblioteca me enjoa. O que eu vou fazer? Chiliques epistemológicos. Vontade de tomar coca-cola de garrafinha de vidro com Foucault. Medo dos trovões, mas não se faltasse luz. Isso não é um poema. Amo comprar saias em brechós. Amo comprar saias. Não posso ir para Porto Alegre. Preciso! Péssima construção frasal. Remeta-me. Não sou Ana Cristina. Lembro Ana Cristina branca, vestido branco, em um quarto branco, manhã branca. Eu era uma menininha de vestido colorido, bem bem bem colorido. Vamos fazer terrorismo de linguagem, meu amor? Amor cor de uva.
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