quinta-feira, 28 de outubro de 2010
partida.
Por aqui, morre-se devagar, e soluçando. E não adianta beber 8 goles d’água que o soluço não passa.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
camélia.
Dia abafado como meus pedidos de dedicação; as tonturas voltaram e eu como pouco. Lembro quando eu não tinha idéia de como seria à noite, agora sei de tudo e isso me engasga. Eu nasci camélia, já disse, um tanto puta, mas doce. O que se evita dizer com tanto silêncio não será realmente dito? Eu, vidente, abro as cartas sem dó de mim mesma, sabendo que cortes com folhas de carta doem mais que cortes com folhas de livro. Eu sei de tudo, aprendi fora dos livros quando fui dona de um sítio distante das grandes cidades. Lá, eu nunca recebi nenhuma visita, e se recebesse, colocaria a vassoura atrás da porta. Aquela porta pesada de madeira era a grande governanta dos meus dias, encarava-me com rigor quando eu saía para os trabalhos na horta, e, na minha volta, olhava meus pés, para saber se meus sapatos estavam sujos da terra seca da estrada. Eu nunca peguei a estrada, não queria, não era preciso. Agora leio cartas em uma rua central, larguei o sítio e entreguei a grande senhora de madeira aos cupins. Nunca me apeguei a rigores nem a seus servos. O que me irrita é saber que nessa noite será tudo igual e, infelizmente, meu cheiro de camélia não impregnará as ruas dessa metrópole descrente.
sábado, 16 de outubro de 2010
sobre pássaros e limoeiros.
O frio reina ainda em outubro, aquele vento de chuva a cutucar os pássaros de cujos nomes não lembramos. Os pés de Davi sentem a terra virando areia e ele segura forte os grãos entre os dedos. Cecília aparece rosada, vem do caminho dos limoeiros trazendo doçuras. Estava a colher nomes de flores para a filha que vem. Cecília usa um vestido solto, de tecido talvez um pouco mais transparente do que o suficiente, verde com pequenas flores brancas e na gola e nas mangas, babados de fundo branco com pequenas flores verdes. Davi, com os pés cada vez mais cavoucando o chão procura torná-los raiz, mas a areia não tolera que se fixe com profundidade. Cecília se aproxima e Davi conta, com a mão direita estendida: “Fui abrir uma cerveja e estava difícil. Fez um corte tão bonito na minha mão, uma linha tracejada”. Cecília beija o corte e fica com uma marca vermelha na boca, como se bebesse suco de morango e algumas gotas tivessem se perdido no caminho entre o copo e a boca. Ela lambe o gosto terroso de sangue. Davi abraça forte Cecília, sabe que ela precisa, ele a conhece melhor que à palma da mão agora cortada. Eu olho, de longe, e me esforço ainda para lembrar sobre os nomes dos pássaros.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
fragmentos de dias costurados com tecidos suaves ao toque.
Rosa pergunta calma quem lhe servirá chá nos dias de enxaqueca. Hernandéz responde que ele, ora essa, e ele também plantará as ervas no pequeno canteiro do terraço. A partida será só por alguns dias, uns maiores que os outros, mas os quais não formam uma vida inteira. Rosa pensa que trabalhar cansa e desenha outras cosmologias. Hernandéz arruma a mala e fotografa Rosa abraçada na coruja Clarabóia para fitar durante a viagem. Chove e venta forte naquela província, como sempre foi o costume. Rosa e Hernandéz costumam apreciar frases pequenas e comidas feitas de aipim. Ela pinta com cores vibrantes as unhas dos pés, pois sabe que ele fica excitado. Vibram juntos, por certo que também sons esquisitos como os do piano preparado de Cage, mas juntos. É primavera, os ipês floriram, como também aquela outra árvore, pequena e com flores brancas, que Rosa e Hernandez sempre esquecem o nome.
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