sábado, 13 de março de 2010

um pássaro listrado.

Ele disse que não estava bem e perguntou:
- Vem me ver?
Cecília replicou:
- Tu quer que eu vá?
- Quero muito.
Cecília foi. Ele usava calça listrada, ela vestido listrado. Ele não estava mesmo bem e ela ficou triste ao perceber. A última coisa dita por ele antes de dormir foi:
- Eu gosto muito de estar perto de ti.
Cecília olhou-o muito tempo dormindo, achou que ele parecia um pássaro machucado. Ela queria pegá-lo no colo, mas apenas fazia cafuné em seus cabelos e segurava sua mão. Era bom segurar forte a mão dele e sentir o sangue de ambos correr no mesmo ritmo (pulsar-junto). Ele parou de tremer. Cecília ficou olhando aquele corpo magro, o nariz fino, o bigode retrô, as pernas compridas. Não sabia se chovia, mas ouvia o som dos carros chiarem como se a velha avenida estivesse molhada. Não importava a chuva, ela gostava daquele som. Ela não entendia bem porque estava ali. Talvez porque gostasse muito dele, como quem gosta do morno do sol no inverno; talvez porque apesar dele dizer que tinha medo de tanta coisa, era ela quem tinha medo de dormir sozinha. Cecília cochilou; quando acordou estavam ambos exatamente na mesma posição, deitados de lado, de mãos dadas, joelhos dobrados, os dela encostando-se aos dele, ou vice-versa: formavam um desenho bonito. As folk songs cessaram e ela não dormiu mais. Olhava-o, simplesmente, e sentia carinho, uma carinho enorme, como quando eles se viram pela primeira vez e, segundo ele, ela chegou de canto e disse "oi”. Ele acordou assustado, Cecília o achou bonito. Transaram, na fala dela, ou treparam, de acordo com a dele.
- Eu adoro trepar contigo.
Cecília sorriu. E parecia realmente tão intenso. Cecília gostava quando ele cantava. Fumaram (sempre). Ele teve tosse, depois voltou a tremer, a sentir tontura e dor de cabeça. Cecília abraçou forte, beijou-lhe o rosto. Disse que achava que ele ia ficar bem. As peles deles começaram a puxar uma pela outra, como se soubessem que o tempo corria. Cecília perguntou:
- E a dor de cabeça, tá muito forte.
- Tá forte, mas não o suficiente.
Seus corpos ficavam bonitos assim, nus e grudados; mais bonitos do que com as listras. Água, precisavam de água. Conversaram sobre coisas nunca antes ditas, as coisas feitas pelas pessoas antes mesmo de se encontrar, como a música que ele compôs para ela muito antes de se verem e subirem lá no alto, para ver o pôr do sol do lago-rio. Riram, ela sentada na beira da cama, riram. Mas ele notou no fundo de Cecília algo de tristeza.
- Não estou triste, só acho estranho.
Dormiram tarde e acordaram cedo. Cecília presenteou-o com um livro:
- Pra ti ler na viagem.
Era uma despedida, ele quem partiria (as cidades cada vez maiores, as quais Cecília tanto temia). Ele disse fazer tempo que não ganhava um presente legal. Aperto, vontade de não ir. Cecília falou, quase sem falar:
- Sabia que tu suspira enquanto dorme?
- Como assim?
- Tu dá uns suspiros enquanto está dormindo, ora.
Na rua, ela viu que sim, havia chovido (eram as águas de março fechando o verão). Cecília viu tanta coisa naquela manhã. Aprendeu que podia amar pássaros, que talvez aquela fosse uma forma bonita de amor. Cecília achou que também parecia um pássaro, mas menorzinho. No final, eles ficariam bem, teriam ninhos bonitos e saberiam voar.

PS1: Não suma!
PS2: Não morra!

3 comentários:

  1. Queria parecer um pássaro algumas horas ao dia.
    Voar, não da altura dos aviões.
    Não almejo tanto.
    Mas quem sabe voar até algum lugar que eu possa ajudar a obliterar as preocupações da rotina.
    Um beijo, em?
    :)

    ResponderExcluir
  2. nossa, visualisei bem a cena... é impressão minha ou o sexo foi usado como remédio?
    rsrsrsr
    matando uma ausência precoce? rsrsr

    bjão, gostei do txt.
    obs: to numa nova fase, tentando ser menos decadente...rsrsr
    obrigado pelo comentário.
    ;O*

    ResponderExcluir