quarta-feira, 3 de março de 2010

silêncios e (des)encontros.

Claro que vivíamos bem. Ou ele pensava em mim como eternamente choro?

Conheci Davi embaixo de uma figueira, ele falava de água, mas tinha cheiro de terra. Davi disse que eu era bonita como a lagoa. Minha secura passou e eu desagüei em seu colo. Juntos fomos morada de Cecília e Antônio. Davi cuidava da nossa horta e estudava teoria literária. Eu tentava literatura e vivia antropologia. Eu carregava Davi, Cecília e Antônio para o trabalho de campo; Davi nos mostrava as bibliotecas e seus segredos. Éramos bonitos os quatro, nossa umidade fazia brotar muitas flores. Numa manhã branca, eu, Antônio e Cecília chegamos ao Parque Itaimbé. O velho parque, onde eu queria mostrar as folhas de plátano e ensinar aos pequenos observar as formigas. A grama fofa, eu e as crianças inventando histórias de mata fechada, sacis e caiporas. O chapéu de Antônio voou e ele correu atrás. Eu e minha filha fomos ajudar na captura; é sempre difícil recuperar os chapéus roubados pelo vento Minuano. O chapéu parou perto de um banco com pintura nova, azul e branco. Enquanto eu recolocava o adereço na cabeça de Antônio, reconheci uma pessoa sentada. Era Hernandez, ele lia o jornal.
- Bom dia, Hernandez.
Ele me viu, nos olhamos na manhã branca enquanto as crianças seguravam meu vestido.
- Quanto tempo, Rosa...
Silêncio. Aquele silêncio que apenas era quebrado duas vezes ao ano pelos telefonemas rápidos de feliz aniversário que dávamos um ao outro. De resto, haviam sido anos de sempre silêncio e nenhum encontro.
- Bonitos teus filhos.
- Brigada, disse Cecília, o Antônio é meu mano, mas eu sou mais velha.
Hernandez sorriu.
Cecília era muito metida, embora tivesse medo de uma infinidade de coisas.
Antônio olhava emburrado enquanto chutava a terra, encardindo a pequena sandália.
Hernandez disse que Antônio parecia comigo. O menino segurou mais forte meu vestido.
- É, ele é desconfiado, mas dado às coisas do lirismo. Já Cecília, gosta de cantar, não é mesmo pequena?
- É, mamãe, eu gosto das músicas que falam do mar.
- Bem, Hernandez, nós vamos indo. Bom te ver.
- Bom te ver, Rosa.
Cecília disse tchau, Antônio abanou e segurou o chapéu.
- Vamos ver quem chega primeiro àquela ponte?
- Vamos!, gritaram os dois, imediatamente pondo-se a correr.
Eu olhei para trás. Hernandez estava pálido como a manhã. Percebi que eu ia chorar, e comecei a correr o mais rápido que pude.
- Quem chegar por último é mulher do padre!

6 comentários:

  1. " era muito metida, embora tivesse medo de uma infinidade de coisas "

    quero nem pensar no que isso me faz ...

    vou dormir .

    ResponderExcluir
  2. difícil reencontrar - sem querer.
    bonito texto, beijo.

    ResponderExcluir
  3. Que bonita a imagem da moça que começa correr mais rápido pra vencer a lágrima...!!!Amei, Bê...
    como amo vc!

    ResponderExcluir
  4. O importante é continuar correndo, como se a vida dependesse disso.
    No fim, realmente depende.
    Um beijo! :)

    ResponderExcluir
  5. Só agora fui ler esse.

    Um encontro - e uma fuga - assim, que arte esquisita que é lembrar...

    ResponderExcluir