quinta-feira, 17 de julho de 2008

lembranças de chimarrão.

Fazia dias, talvez meses, que ela não preparava um mate. Seu pai havia lhe trazido uma grande quantidade de erva quando da visita. Era estranho isso do pai visitar-lhe. Ela não visitava seus pais, ela voltava para casa, simplesmente. Mas o mate, fazia tempo que não fazia um mate. Talvez não visse muito sentido em tomar mate sozinha. E os amigos por ali, bem, eles até tinham boa vontade, mas sempre acabavam por achar amargo, ou quente, ou apenas esquisito. Ela gostava tanto do verde da erva-mate. Lembrava das viagens que fazia com a família, seu pai ia dizendo de que era cada lavoura que passavam pela estrada. O primeiro carro dos seus pais fora uma brasília bege. A brasília tinha buracos no fundo e quando iam de Santa Maria a Encruzilhada do Sul era sempre um suplício o último trecho, depois de Pantano Grande. A partir dali era estrada de chão e o carro enchia-se de poeira, uma poeira também bege que ficava flutuando e fazia o irmão asmático tossir e ela, um pouco menos asmática, espirrar. Depois que deixou de ser criança, se é que sabia demarcar isso temporalmente, ela não compreendeu mais como coubera tanta gente naquela brasília. E seus pais sempre faziam mate para levar durante as viagens. Um dia, já por esses dias, ela tentou explicar a uns amigos que o verde que se via ao viajar pelas estradas do Rio Grande do Sul era diferente do verde que se via nas viagens pelo Espírito Santo. Não conseguiu explicar, ou eles não conseguiram entender (o que talvez fosse exatamente a mesma coisa), e soou como um simples ataque de gauchismo. Mas agora ela se lembrava da erva, do cheiro da erva, de como gostava do mate amargo e de uma pequena cuia que ela e os irmãos herdaram da vó Malvina. Esta não era sua avó realmente, era uma vizinha que morava na casa amarela quase em frente à deles. As unhas da vó Malvina lhe pareciam gigantes, unham gigantes pintadas de vermelho. Fora a primeira senhora que ela vira com unhas pintadas de vermelho. Também fora a primeira pessoa que ela vira morta - o velório na casa amarela. O velório e as unhas vermelhas nunca lhe pareceram assustadores, interessante dar-se conta de como ainda tão pequena conseguira achar aquela cena um tanto pintura. A minúscula cuia que ela e os irmãos herdaram até hoje tinha o mesmo cheiro de velhice da casa amarela. Mas essa cuia estava em casa, ou melhor, na casa de seus pais, que enfim, era sua única casa. Talvez nessa cuia ela até se atrevesse a preparar um mate para tomar sozinha. Eram ambas pequenas, afinal, ela e a cuia, eram ambas passado, e assim lhe pareceria mais justo.

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