quarta-feira, 9 de maio de 2007

Encantar

do Lat. incantare
v. tr.,
exercer encantamento em;
seduzir, enlevar, maravilhar;
atrair;
v. refl.,
tomar-se de encanto;
enlevar-se;
maravilhar-se;
desaparecer, tornar-se invisível.


Teve medo do desaparecer, tornar-se invisível. Pensou não saber mais se diria: “sou encantada por ti”. Num daqueles dias, ela confessara que ele não mais a encantava. Hoje, justamente na manhã de hoje, ela acordou feliz. E sentiu (na fila do banco ela sentiu doçuras) que finalmente ele voltara a encantá-la. Ele gostaria de saber isso. Saber do desencantamento deixara-o desolado. Fora uma daquelas verdades as quais não devem ser ditas; só devem ser ditas quando se quer fazer doer. Não deveríamos querer fazer doer. Ou só fazer aquele doer pouquinho (nem sempre tão pouquinho assim) nos momentos em que o amante diz rouco, quase suplicando: “me bate” – ou me morde, ou me aperta, ou ou ou. Saindo do banco ela, ainda sentindo todas aquelas breguices de quem se encontra apaixonado, pensou, sem saber muito o motivo do pensamento, no significado da palavra encantar. Lembrou de contos de fada, de magias, de narrativas inventadas por seus pais antes de irem todos dormir. Queria que ele a encantasse, gostava de sentir-se encantada, até achava bonito isso de encantos tipo feitiço. Mas não gostou de lembrar de quando sua avó procurava o batom preferido, com aquele jeito esquisito com que as avós procuram as coisas, e depois lhe dizia, sem muito espanto: “meu batom sumiu como que por encanto”. Para sua avó tudo desaparecia no quarto repleto de coisas antigas e coisas guardadas e coisas de porcelana “como que por encanto”. Ela não queria que ele sumisse como que por encanto. Não queria que ele se tornasse invisível. Havia muitos anos que ela não mais acreditava em coisas invisíveis. A não ser, é claro, naquelas coisas que a medicina moderna ensinara a acreditar (e temer). Se ele se tornasse invisível ou ela não acreditaria mais na sua existência ou passaria a borrifá-lo com spray anti-séptico, mesmo não sabendo como poderia acertar com spray anti-séptico alguém invisível. O pior mesmo era pensar no desaparecimento. Ele sendo encantado, poderia sumir a qualquer instante. Seria triste, seria uma tragédia dessas de chorar soluçando por muitos dias. Se ela contasse ter percebido que ele voltara a encantá-la, não conseguiria deixar de dizer todo o significado ruim disso. E o dia foi perdendo a graça. Então, como que por encanto, ela pensou que se ela era encantada por ele, a magia dele recaía sobre ela. Os dois eram encantados, enfim. Ela também poderia desaparecer, tornar-se invisível. Sorriu. Percebeu que eles eram encantados apenas um para o outro. Serem encanto/encantados/encantadores era um ser-um-com-o-outro/um-para-o-outro. E sendo assim, apenas poderiam desaparecer, tornar-se invisível se fizessem isso juntos. Ela não teve mais medo. Sabia ser este um pensamento bobo, desses bem bobocas, e sem muita lógica, ainda assim não teve mais medo. Contos de fada, de magia, feitiço ou encantamento nunca fazem muito sentido mesmo. Ou então, não o fazem para muitas pessoas.

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