quinta-feira, 20 de novembro de 2008

patins.

Cecília acordou, o quarto quente e fechado lembrou-a de outras cortinas, panos bailando e risos faceiros. Não era dali, não reconhecia aquele espaço dentre suas paisagens da memória. Fotografias espalhadas pela casa que não era dela, tentativas malfadadas de colocar suas formas num apartamento-sufoco. E tinha aquela dor atrás do olho esquerdo, como que se o quisesse expulsar de seu crânio. Por que não reagia? Cecília deitada no quarto abafado, xingar sonolenta era sua máxima ação. Pensou em comprar um sutiã com enchimento, quem sabe ficasse mais respeitável. Não soube falar seu amor na noite passada, não estava num lugar para amores. E se Cecília tentasse escrever cartas anônimas, bilhetes que fossem, sem dono, a serem deixadas pelas paisagens mortas contando-lhes de lugares reais? Ela achava melhor tentar escrever sobre a cidade-sufoco mesmo, talvez assim lhe desse um sentido. Cecília e suas feridas, ela arrancava-lhes as cascas tornando-as mais e mais feias. Dera para isso agora, eram os nervos. Por esses dias ela inventou de comprar uns tais de patins, deslizar por aí, mas a cidade-sufoco estava em reforma, ela não iria muito longe sem tropeçar. “- A gente vai muito longe sem tropeçar?”. Bem, talvez Cecília pudesse mesmo pensar nos patins, mas eu queria dizer-lhe para comprar junto capacete e joelheiras. Não queria que ela tivesse mais feridas para descascar.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Porque eu achei uma minúscula pedrinha que brilhava no chão do meu quarto. Era um motivo de impressionar aqueles que não são assim tão estabanados com as coisas do lirismo. Mas ela achou que era só varrer o chão e fim de página. Não, não, não. Eu tinha que contar de uma maneira suave o quanto doía ficar sozinho no chão de parquet, com brilho ou sem. Exercícios esparsos, mas necessários, de desenhar sapata com restinhos de giz. E sem traduções das expressões carregadas de sul. Parecia mais justo assim, apenas escutar e brincar com o som. Um brilho pequenino, que com o indicador pesquei e coloquei adornando a ponta do nariz. Meu nariz fino. Fiquei uma boniteza de invadir salões de bailes de antigamente. Era só abrir as portas e dançar feito dona baratinha vestidinha de balão. Brilhei em todas as matinês até fazer bolha nos pés e depois sentei de costas pros trilhos do trem. O maquinista me achou mais brilhosa que pó de minério dos vagões da Vale e me ofereceu carona até em casa. Ir para casa e parecer gota de chuva na janela do quarto da minha avó. Ela tricota meias de lãs para o inverno que vem – todos os anos ela tricota um par novo e me dá de presente. Costurei um patuá transparente e coloquei dentro o meu brilho e um raminho de arruda para fazer companhia. E fim da primeira lição para dias mais frescos.