sábado, 15 de dezembro de 2007

Carta a Cecília.

Lembras, Cecília, de quando éramos colegas de francês? Tínhamos um colega chileno, um senhor magro, de barba branca... Eu gostava do relógio de bolso que ele usava. Não sei por que me lembrei dele. De ti eu sempre lembro, Cecília, do teu riso desvairado e do teu cheiro de maracujá. Quanto tempo desde nosso último passeio no Parque Itaimbé... Lembra os ipês, Cecília? Nós sim é que sabíamos escutar os ipês. Como tu ficavas linda com aquelas flores enfeitando o cabelo. Saudade de ouvir tua poesia; nós duas deitadas sobre aquele tapete colorido. Mas o bater de asas é assim, Cecília, leva-nos para outros mundos, para outros corpos, para outras flores. É um barulho gostoso, pequena, apesar da saudade que as asas nunca levam junto. Por aqui quase não há ipês, Cecília. E os poucos que encontrei não falam. Será que falariam contigo? Ontem eu recebi uma ligação. Era Roberto. Lembras de Roberto? Ele continua tendo um sotaque gostoso. Roberto falou de quando eu o protegia do sol. O bater de asas, Cecília... Comprarei um relógio de bolso de presente para Roberto. Achas que ele vai gostar? Tu devias ir também para o sul, menina; seria um encontro bonito. Marcaríamos no relógio novo de Roberto o momento exato em que nos víssemos. Mas Roberto nunca saberá escutar os ipês. Talvez ele aprenda ouvir as camélias. Talvez ele já as ouça. Os ipês são nosso segredo, Cecília. É bom ter segredos. Ontem eu disse a Roberto que estava me sentindo linda. Eu estava tão bonita ontem, Cecília; devias ter visto. Um espelho, apenas um espelho... Eu continuo lutando, sabe. Conheci pessoas encantadoras por esses dias. Estive em um vilarejo com vento forte que levantava areia e trazia um cheiro de mar. Ouvi histórias de escravos e de maldições de raizeiros. Tu também sairias encantada de lá, ou amaldiçoada talvez. Nesse vilarejo nem é preciso relógios, Cecília, o tempo também bateu asas. Até mais, pequena. Perca-se na bagunça da tua/minha poesia, e escute os ipês, minha flor.

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