terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

cecília e seus testes.

Cecília gostaria de ouvi-lo tocar novamente o ukelele. Um dos problemas de Cecília é ela ter umas esperancinhas bem disparatadas. Ouvi dizer que quando sorri, ela fica muito bonita, quase brilha. Cecília tem vontade de voltar a sorrir; na verdade, confessou que vai. Elaborou uns planos para os sorrisos voltarem a seu rosto. Colocá-los-á em prática assim que a dor no peito amenizar. E ela acha que se alguém dormir com o rosto encostado em seu peito, o coração acalma e a dor enfraquece. Cecília, agora, procura alguém para testar.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

a casa de uivo.

Comecei a construir uma nova casa. É fresca, de estuque, eu mesma amassei o barro, umedecido com meu cuspe. Esta casa, será recheada de vento, as frestas formarão apitos nos dias de vento norte; uma casa de uivo. Ouvirei as histórias adentrarem pelos pequenos buracos e formarem redemoinhos, passando de um cômodo a outro. Plantarei um jardim na sala da frente, onde se deixarão os sapatos e os instrumentos de sopro. Pessoas de bom coração serão bem vindas, mas deverão atentar para as histórias do barro: o barro fala por si. Nas noites paradas, os instrumentos de sopro fornecerão música-brisa ao baile das flores e os sapatos esperarão do lado de fora, vigiando, entre cochilos, as mudanças do céu.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Ela esperava ganhar margaridas de aniversário.
Mirava o parquet,
caminho claro-escuro dentro do quarto fechado:
chegava-se sempre a uma parede.
Deve-se buscar um coração já sem vida?
Deve-se massageá-lo?
O calor ardia em sua pele, mesmo na sombra,
as lágrimas evaporavam como acetona.
Ela viraria um doce colorido,
um confeito cristalizado refletindo o abajur.
Estariam separados,
ele seco como uma fruta esturricada, longe da seiva.
Ela era a seiva; agora escorrendo entre caminhos de parquet.
Ele sentiria vontade, saudade e medo de tudo [rancor].
Ela encharcaria o travesseiro de tanto chorar;
ao menos refrescaria sua cama.
A cama não mais morada,
um ronco sem dono sobre o lençol novo.
Sem passeio no parque
agora abafado e sem húmus.
Ela estava presa na secura dele,
sem vento minuano.
Ela tentaria fugir,
levantar peça por peça do parquet.
Buscaria líquidos,
Fugiria dos caminhos,
fugiria de tudo o que seca.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

sobre apenas eu e a coruja Clarabóia.

Tivemos um problema. Eu e Clarabóia estamos indo embora, moraremos embaixo da figueira gigante de Arambaré. Vamos apenas nós duas. A coruja sentirá saudade do meu ex-esposo..., eu acho que não sentirei. Só sei que a lagoa nos fará bem.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

fragmentos da nossa história com a Clarabóia.

Eu e meu esposo temos uma coruja de estimação, ela se chama Clarabóia. A coruja mora no alto do limoeiro que fica em frente a nossa casa. À noite, Clarabóia voa até o portão e nós duas esperamos meu esposo chegar no ônibus amarelo. Quando das minhas viagens, a coruja espera sozinha, e no meu retorno conta se meu esposo esteve cheirando a conhaque. Nas noites em que ele começa a tocar, eu sento a seus pés, Clarabóia pousa na janela e piscamos uma para outra. Meu esposo se preocupa toda vez que a ave gira o pescoço, tem medo dela se machucar; eu acho graça. Clarabóia não costuma entrar em casa. Entretanto, na semana passada, eu e meu esposo colocamos um papel de parede antiquado na sala da frente, quando terminamos, ela voou, pousou no abajur (desligado, felizmente) e ficou olhando a parede com grandes olhos de coruja em dúvida. Nós três rimos da breguice do papel e depois Clarabóia voltou ao limoeiro. Eu e meu esposo somos um tanto bregas, rimos de comovidos, já a coruja eu não sei.