quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

arapey.

Esmalte colorido: tentativa de revitalização
eu gostaria de saber/
como foi o seu dia

Olhares temerosos, miradas embotadas,
uma mesa de computador
E se por acaso eu descobrir um ônibus que parta antes de quinta-feira?
E se o carnaval chegar?

Fazer o ar nutrir com leveza aquilo que me compõe
Minhas mãos tremem, como as de minha mãe
Busco ainda ter fé
Tomar banho de chuva com sol (a raposa casaria com quem?)
o sol esquenta a pele e a chuva simula alfinetar, mas não traz dor:
é existir.

As termas del Arapey
hablar, tentativas, como criança
Águas mornas no Uruguai
quando lagartos eram bonitos como pássaros
e se podia temer as descidas de tobogãs.

Rugas,
e ao chegar o novo dia, eu também não me quero arrasada no espelho,
meu caro Cisneros.

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E falem o que quiserem, mas ver o Sérgio Dias tocando Jardim Elétrico foi lindo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

notas de ontem e de hoje.

- Como tu estás magrinha!
- É, a gente emagrece...

As folhas brilhavam do outro lado da vidraça, dia quente; o sopro mais do que morno do sol. Olhei a cicatriz de queimado no punho direito. Revelei fotos, que revelaram cores, ânsia por bromélias e tartarugas, amores-brisa. Despedi-me; morri mais um pouco. Na reunião, ouvi dizerem que estamos fazendo história; desejei apenas escrever histórias para crianças, ambição bem mais honesta. A médica receitou ansiolíticos e disse que ficarei bem. Exercícios de respiração. Comprei um biquíni, esperando a praia a qual logo chega. Neguei convites atraentes: estou sozinha, cansada de encontros, romances, drinks no dance... Chorei o bocadinho de sempre, não, talvez um bocado maior. Fui dormir muito cedo. Aconteceu-me de ser acometida por uma teimosa sensação de solidão durante o sono. Acordei, meio sem acordar, a veneziana deixava entrar filetes de noite e o Centauro declamava poemas em espanhol. Adormeci. O despertador vermelho chamou pro trabalho. Olhei-me no espelho, estava bonita, apesar das olheiras (nuvens de chuva morando sob meus olhos). Eu estava realmente bonita. O vôo baixo das pombas, bater de asas com graça, e eu que sempre tive nojo de pombas. Lastimei Porto Alegre ser tão barulhenta. A pequena senhora que vende rapadura na praça usava um batom vermelho romântico não antes usado, ou não antes notado. Trabalhei um pouco, fui à biblioteca, almocei um sorvete. Voltei ao trabalho cantando lembra quando eu disse que te amava, você fez pouco caso e ainda sorriu... Dor de cabeça, daquelas de antigamente, tão antiga quanto a cantiga. Logo entrarei no ônibus, vou dormir no ninho.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

2 semanas de estranhamento.

semana abafada em Porto Alegre,
vislumbro o não ser daqui como algo recorrente.
pertencimento → apenas objeto de estudo
alteridade/estranhamento:
quais minhas crenças?
sou uma barraca sob a tempestade,
sou a tempestade.
algumas vivências nos exotizam para Nós mesmos: ser agredida fisicamente(severamenteinsanamentecovardemente) por alguém que dizia me amar e me chamava de flor de jardim é uma delas.
agora, tento traduzir-me,
antropóloga em busca do Outro:
outra de mim,
outra mais fraca?
relativizo-me.

domingo, 17 de janeiro de 2010

pedidos.

Ele queria um reco-reco de presente. Uma vez ele tocou reco-reco na beirinha do córrego, mas ela não entrou para a roda de jongo. Nunca soubera dançar, nem por devoção, quebrava os círculos, sempre, com alguns tropeços de iniciante. Ela pediu um coração novo de natal, um lisinho e sem tantos remendos; ganhou um vestido com flamingos e uns óculos divertidos.

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Ela conheceu uma figueira, enormes galhos esparramados, iluminada de verde, como se fosse um toldo de circo com luzes coloridas. Ficou ali por um tempo, saiu antes de tornar-se verde. Ela transformou-se em poucos dias: quase virara pedra, fizeram de tudo para que ela virasse uma pedra a afundar, mas ela teimou em ser brisa e soprar em volta da figueira. Estava apaixonada, queria tocar a figueira de leve a vida toda, arrepiá-la com seu vento. Às vezes, ela acordava agitada, pensando ter voltado a ser pedra e gritava soprando forte. A figueira a acariciava com suas folhas e cantava uma música que uma índia ensinara. A brisa adormecia, protegida, embalada e embalando, e deixava de levantar velhas poeiras, estas sim pesadas como pedra.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010




Aqui existem flamingos,
não os vi, mas sei da sua existência.
Eu viajei muito
- Olhos d’Água -
Os meus olhos?
Uma pequena cidade, lembrou Itaúnas.
Eu sempre me senti mais brisa em pequenos lugares.
Os flamingos são cor de rosa, como meu rosto depois do choro.
Já as unhas dos pés eu pintei de vermelho.
A tia Zita ensinou: é de vermelho que se pintam as unhas dos pés.
Aqui existe um caminho que leva a um sambaqui,
eu suponho.
Quando da chegada, supomos um bocado de coisas:
eu suponho que verei um flamingo da minha janela.
Estou muito ao sul, mais que o costumeiro a minha rosa dos ventos.
Minhas veias marcam caminhos os quais eu percorro,
entre uma pose de flamingo e outra.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

uma flor guilhotinada.
e não foi no País das Maravilhas
lâminas verdadeiras,
seiva jorrando, forte como o sêmen que um dia a alimentou.
uma flor morta,
figura mais triste dentre as figuras tristes.

dias antes, noite de um morno-fresco, vestido azul levantando com o vento soprando contra a moto, ela sentiu cheiro de jasmim quando passavam na baixada do arroio e abraçou forte a cintura dele.

agora este cheiro de jardim apodrecido,
dificuldade em respirar,
receita de analgésicos e ansiolíticos.
uma flor guilhotinada,
regadores chorando sobre um vazio gigante demais para qualquer germinar.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Quintana: - É preciso construir uma torre, uma torre azul para os suicidas.
Bethânia: - Eu ajudo. E que seja bem alta, como minha tristeza que toca o céu. Mas lá no topo eu projeto alguns quartos com camas feitas de nuvem, onde os suicidas sem coragem para o vôo possam adormecer por elas abraçados. Sumir, serem esquecidos, irem esquecendo, destecendo os pedaços amargos dos dias passados até se tornarem apenas casulo. É preciso construir casulos, casulos de nuvem para os suicidas de pouca coragem.