segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

metáforas, Odorico?

Gosto de pensar
a vida que tu leva.
Algo acontecendo
fora daqui.

Tu bebe tequila,
dança indie-rock
passeia no bosque
e tem teu amor.

Sonho tua vida.
Eu, tua narradora
e tua personagem.
Tu existe?
Até qual página?
Escrevo a ti,
inscrevo-me em ti.

Penetra em mim?
(de alguma maneira)
Gosto de ser penetrada,
sinto-me viva.
Queria ser penetrada por ti,
com e sem metáforas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

o vizinho.

Leve como o que? Eu olhando o vizinho pela janela. O vizinho que cuida das flores da sacada; aqui eles falam varanda. Quase nunca o vejo. Acho que ele cortou o cabelo. Estava sem camisa, agora colocou uma camiseta preta. O vizinho estava me espiando. Eu com as pernas para cima, coxas à mostra, indecente como sempre. Nem tinha percebido. Tem coisas que eu demoro para perceber. E cantando Sérgio Sampaio, enlouquecida. Ai, se eu soubesse que ele estava olhando... Bem, que diferença faria? Será que ele vai sair? Nem tem nada para fazer nessa ilha por hoje, nem nunca. Na verdade eu é que não tenho nada para fazer, já o vizinho, sabe-se lá. Agora ele espiou meio escondido, que engraçado. Achei bonitinho. Dona moça, dona moça, pare de ficar com esses pensamentos bobos. Cuide da vida, da sua, né. Essa moça encanta-se com cada coisa. Eu devia dizer para o vizinho colocar lâmpada econômica no quarto, essa amarela não é nem um pouco ecologicamente correta. Mas esteticamente lhe cai bem aparecer na janela com um fundo amarelado. É, acho que ele vai sair. Que triste. Triste para mim, né. Da próxima vez eu mostro um pouquinho mais as coxas.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Era uma segunda de carnaval chuvosa. Ela tentou desenhar por aqueles dias, mas não gostou de nenhum dos desenhos. Ela achou o dia anterior gostoso: de repente eles se fantasiaram e saíram pelo centro, fazendo de conta que eram felizes; foi convincente. Hoje ela deu um telefonema que não deveria ter dado e se sentiu idiota. Não entendia como as pessoas ficavam cruéis de uma hora para outra. Ela nunca gostara de desaparecimentos, achava-os trágicos. Ela não entendia pessoas frias nem pessoas covardes. Mas ela achava que não entendia de muita coisa mesmo. Ela queria poder dizer – “Quer que eu faça um chá com mel pra tu melhorar da gripe?”. E queria que isso pudesse ser entendido como carinho. “Por que ele tem medo de carinho?”, pensava. Para ela, carinho era bom. Para ela, era apenas um gostar e isso não deveria causar tanto temor assim. Pensou em ligar e perguntar “Porra, o que eu te fiz?”. Depois pensou que ninguém lhe devia nenhuma reposta. Mas achou que lhe deviam gentilezas, que lhe deviam sinceridades. Achou também, e achou enfaticamente, que deviam buscar o pote em que lhe trouxeram salada-de-fruta. Ela não queria aquele pote entulhando o armário de sua cozinha. Ela não queria nada entulhando sua vida. E as coisas que não eram de verdade já lhe pareciam apenas entulho.